colher de madeira sob frasco de doce de malagueta malcriado, vista de topo

Em busca do Picante mais Picante. Parte 2

No último artigo, viajámos no tempo até ao século XV, quando os portugueses, em busca da valiosa pimenta preta, acabaram por encontrar algo ainda mais ardente — a pimenta malagueta. Descobrimos como esta planta incendiou o mapa, atravessando oceanos e continentes com a ajuda da caravela portuguesa, conquistando cozinhas, paladares e culturas.

Mas a história do picante não parou aí.
Depois de quatro séculos de conquistas, trocas comerciais e pratos cada vez mais ardentes, o século XX trouxe uma nova era: a da ciência do picante.

O século XX e o homem que quis medir o inferno

Entra em cena Wilbur Scoville, farmacêutico norte-americano e autor da obra The Art of Compounding, publicada em 1895. O livro foi uma referência na farmacopeia durante décadas, mas não foi isso que lhe garantiu um lugar eterno entre os amantes do ardor.

Retrato de Wilbur Scoville, foi professor na Faculdade de Farmácia e Ciências da Saúde de Massachusetts antes de trabalhar na Parke Davis, em Boston, Massachusetts.

Imagem de Wilbur Scoville (c. 1910). Fonte: Wikimedia Commons. Domínio Público.

Em 1912, Scoville criou algo revolucionário: o Teste Organoléptico de Scoville, uma forma de medir a intensidade do picante sentida na boca.
A ideia era simples, mas engenhosa: diluir uma solução com extracto de malagueta em água com açúcar até que o ardor deixasse de ser perceptível ao paladar. O número de diluições necessárias definia a unidade de picante. Nascia assim a mítica escala: os SHU – Scoville Heat Units.

Da língua ao laboratório

No início, o teste era feito por provadores humanos treinados.
Mas como podes imaginar, provar pimenta malagueta dia sim, dia sim, tem consequências. A chamada fadiga do provador tornava os resultados imprecisos e inconsistentes. Não era só a língua que ardia — a fiabilidade também.

Hoje, a ciência faz o trabalho de forma mais fiável (e menos dolorosa), usando cromatografia líquida de alta performance, que isola e mede os componentes químicos responsáveis pela pungência: os capsaicinóides.

O que é que o picante faz ao corpo?

A principal culpada pelo fogo na boca tem nome: capsaicina.
Este composto activa os receptores nervosos que normalmente detectam calor excessivo — é como se estivesses a beber lava. O corpo interpreta a dor como se tivesse queimado e reage libertando endorfina, a hormona que provoca prazer, bem-estar… e alguma dependência.

Sim, há quem goste de sofrer. E quem, depois da primeira lágrima, não consiga mais parar.

Tal como no vinho, com o tempo e treino, começamos a perceber que nem toda a malagueta é igual. Há variações subtis de sabor, intensidade, duração e até localização da ardência. O paladar educa-se. O vício cresce.

A corrida para a pimenta mais picante do mundo

Com a escala criada, a competição estava lançada.
E o mundo não tardou a entrar numa verdadeira corrida ao inferno.

  • 2007 – Bhut Jolokia (Ghost Pepper):
    Vinda da Índia, foi a primeira a ultrapassar a marca do milhão. Com 1.041.427 SHU, esta malagueta entrou nos livros e abriu caminho para a loucura ardente que se seguiria.
  • 2010 – Naga Viper:
    Um cruzamento diabólico vindo do Reino Unido, que trepou até aos 1.382.118 SHU. Uma mistura letal com genes da Bhut Jolokia e outras feras tropicais.
  • 2013 – Trinidad Moruga Scorpion:
    Direto de Trinidad e Tobago, com uma forma de escorpião pronto a atacar e uma ardência a condizer: 2.009.231 SHU. Só para corajosos — ou inconscientes.
  • 2017 – Carolina Reaper:
    Criada por Ed Currie nos EUA, ostentava a cor do inferno e o nome da morte. Com picos de 2.200.000 SHU, foi durante anos a Malagueta mais temida do planeta. E com razão.
  • 2023 – Pepper X:
    Quando achávamos que o inferno tinha limites… apareceu a malagueta mais picante alguma vez cultivada, também obra de Ed Currie. Com uns absurdos 2.693.000 SHU, a Pepper X destronou a Reaper e foi oficialmente reconhecida pelo Guinness como a nova campeã do mundo.
  • Hoje – Produtores continuam a cruzar variedades de malagueta, procurando bater recordes, criando novas aberrações picantes com nomes que parecem saídos de filmes de terror.

E sim, algumas delas são mais fortes do que sprays-pimenta utilizados pela polícia.

O mundo nunca mais foi o mesmo

O picante já não é só sabor. É cultura, é desafio, é ciência, é vício.
O século XX deu-nos a métrica. O século XXI deu-nos os gladiadores da ardência.

Hoje, a pimenta malagueta não é só ingrediente — é prova de coragem, é símbolo de identidade, é obsessão.

E nós?
Nós cá estamos, sempre em busca do picante mais picante.

No próximo artigo…

Prepara-te para a lista definitiva das malaguetas mais picantes do planeta — com nomes, descrições, origem, ranking SHU e curiosidades que ardem. Literalmente.

Até lá, só te perguntamos uma coisa:

Atreves-te?

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